O número de casos de câncer tem aumentado nos últimos anos e um dos principais fatores de risco é o envelhecimento da população, segundo os médicos Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), e Ademar Lopes, vice-presidente do AC Camargo Cancer Center, de São Paulo. Os dois foram os convidados do USP Talks, evento promovido pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo jornal O Estado de S. Paulo para debater “os mitos e as realidades” sobre a cura do câncer. O encontro aconteceu nesta quarta (29) no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura, em São Paulo.
Apesar do aumento do número de casos, os médicos salientaram a evolução dos tratamentos, que tem possibilitado a cura da doença. “Hoje, temos tratamentos curativos para 70% dos casos de câncer. Esse tratamento é feito com cirurgia, radioterapia, quimioterapia, drogas-alvo e, mais recentemente, imunoterapia”, explicou Dr. Fernandes.
Fosfoetanolamina
No auditório lotado, com cerca de 170 pessoas e transmissão ao vivo pela internet, os médicos também trataram de assuntos que têm sido tema de discussão nos últimos tempos, como a fosfoetanolamina, substância que teve seu uso autorizado por lei sancionada em abril deste ano.
“Quando se diz que alguém melhorou utilizando a substância, isso não é ciência. É preciso aprofundar as pesquisas”, resumiu o presidente da SBOC. “Pessoalmente, não tenho nada contra a fosfoetanolamina, mas ela não passou por estudos clínicos. Não sabemos sua toxicidade e a metodologia utilizada para verificar seu resultado precisa ser mais clara”, disse Dr. Lopes.
Imunoterapia
O presidente da SBOC também falou sobre o uso da imunoterapia, algo que está no espectro da medicina há mais de um século, mas que só começou a apresentar resultados mais promissores para a oncologia recentemente. “A imunoterapia ficou adormecida por 100 anos”, disse ele, referindo-se ao período em que teve seus mecanismos e possível aplicabilidade estudados.
Só nos últimos cinco anos é que, por meio dela, tem sido possível conseguir melhores resultados ao inibir os sinais exibidos pelas células tumorais que impediam que elas fossem reconhecidas como câncer pelo sistema imunológico e atacadas por ele. “Mas isso não acontece com todos os tumores”, ressaltou Dr. Fernandes. Isso se dá principalmente com os tipos tumorais que acumulam um maior número de mutações. Segundo ele, o tratamento do câncer de pulmão é um dos que vem apresentando mais recentemente avanços com a utilização de imunoterapia.
No Brasil, a estimativa é de que 600 mil casos de câncer sejam registrados este ano. Apenas 10% deles são hereditários. Com o aumento da expectativa de vida – no caso do brasileiro, ela passou de 43 anos em 1950 para 75 nos dias atuais –, há mais exposição a agentes físicos, químicos e biológicos que podem levar ao surgimento de um tumor. Além disso, com o envelhecimento, outros mecanismos intrínsecos do organismo para detectar células potencialmente tumorais também começam a falhar. “Não podemos impedir totalmente o desenvolvimento do câncer, mas é possível prevenir alguns e retardar outros”, afirmou Dr. Lopes. “É possível se prevenir contra o papiloma vírus humano (HPV), que causa câncer de colo de útero nas mulheres”, exemplificou.
Perspectivas
Além da apresentação dos dois médicos, o evento do USP Talks contou com debates da plateia. Dr. Fernandes comentou que a questão da cura do câncer é múltipla e complexa. “Um dos erros é que denominamos câncer diferentes tipos de tumores que surgem no organismo e desconsideramos ainda como a doença se comporta em cada pessoa. Não é tão simples, não existe uma chave que é só ir lá desligar”, disse.
Ao ser indagado sobre o papel da indústria farmacêutica na busca da cura do câncer, Dr. Fernandes disse que não é possível apenas criticar seu desempenho. “Não acredito que a indústria farmacêutica tem a cura do câncer e está guardando isso por algum motivo econômico. Ainda que a indústria farmacêutica faça lobby, precisamos acompanhá-la porque ela é quem vem oferecendo novas drogas. No Brasil, o governo não paga o desenvolvimento de novas drogas”, analisou.