Uma lição de vida após enfrentar o câncer

Sentada ao lado do berço do filho mais novo, a empresária Patricia Prandini assistia ao bebê dormir quando o celular tocou. Do outro lado da linha, seu médico trazia informações sobre os resultados de exames feitos recentemente em um check-up. Tentando falar baixo, com as pernas bambas, ela ouviu o diagnóstico: havia um câncer a se tratar. Do momento em que encerrou a ligação a fim de assimilar a notícia até o dia em que se viu deitada na mesa de cirurgia, passariam-se apenas 12 dias. 
O choque não era apenas por descobrir que estava com uma forma agressiva de câncer de mama aos então 34 anos, mas também porque, ao contrário de suas próprias previsões, Patricia se viu diante de uma repetição do destino. Sua mãe fora diagnosticada com a mesma doença aos 40 anos de idade, desenvolveu câncer de ovário aos 50, e acabou morrendo aos 52.

"Ela foi se tratar nos Estados Unidos, mas não monitorou corretamente apesar de ter todos os recursos para isso. Sempre senti o câncer como uma sentença de morte, e tinha na cabeça esse prazo de dez anos. Eu me perguntava 'por que comigo, por que com meus filhos?'. Sei o que é perder uma mãe. Só que a questão é que eu realmente acreditava que não herdaria isso, pois sempre fui muito diferente da minha mãe, tanto na personalidade como na aparência. Eu me recusei por muito tempo a acreditar que teríamos essa batalha em comum", relembra.

Da infância, Patricia, hoje com 42 anos, não guarda boas memórias da figura materna. "Fui uma criança que sofreu muita violência por parte da mãe. Eu apanhava com cabide de arame, madeira, colher de pau, e muitas vezes nem sabia por que. Minha mãe ameaçava que ia embora. Aos meus 15 anos, ela adoeceu, e morreu quando eu completei 17. Meu pai foi morar com a amante e também foi embora. Fiquei sozinha."

No momento do diagnóstico, a vida aplicava outra rasteira na empresária. O casamento de décadas havia se desfeito depois que escolhas profissionais do marido levaram os dois a uma situação de discórdia insuportável. Após a saída dele de casa, Patricia conta que pensou que não suportaria. "Tive pânico e, em um check-up que fiz logo após a crise, identifiquei o câncer."

Com o divórcio, seria necessário repensar o plano de saúde. "Eu tinha uma faca no pescoço", define ela, lembrando o quanto foi complicado manter-se positiva durante aquele período de tempo. "Neste processo todo, eu perdi minha relação com o divino. Não agradeço a Deus por ter descoberto, nem o questiono por ter tido a doença. Ela simplesmente aconteceu e não é culpa ou escolha de ninguém."

A doença de Patricia tinha 0,3 cm de diâmetro e, ainda que aparentemente pequena, vinha com uma agressividade assustadora. Se não a uma interferência divina, a empresária pode, quem sabe, atribuir o momento do diagnóstico a uma poderosa intuição e, claro, à prudência. "Eu sempre fiz exames, mas só descobri o tumor porque pedi ao meu médico para fazer uma ressonância magnética, e não uma mamografia. Até porque a mamografia não identificou", conta. "O câncer foi resultado da dor do fim do casamento. Quando retirei o tumor, a análise deu que ele era muito recente."

Na cirurgia para remoção do problema, realizada por um mastologista e um cirurgião plástico, Patricia optou pela mastectomia bilateral, quando ambas as mamas são removidas. "Eu queria prevenir um câncer no futuro, evitar a radioterapia e também poder reconstruir na hora", explica ela, que revela que passou por dificuldades no pós-operatório não só pelo aspecto físico.

"Minha feminilidade foi muito afetada. Eu tinha seios lindos. Já não estavam os mesmos depois de amamentar dois meninos, mas o resultado, apesar de muito bom para a situação, é devastador. Eu não perdi as auréolas, nem fiquei com cicatrizes. Mas a forma não é sua. Depois até já refiz. Melhorou, mas ainda não estou feliz˜, confessa.

Três meses atrás, quando a batalha contra o câncer de mama já se encontrava em um passado quase remoto, um novo diagnóstico batia à sua porta. Após um exame de sequenciamento genético, ela descobriu uma mutação no gene BRCA1, o que elevava seu risco de câncer de ovário para 72%, contra o 1% da população feminina em geral. 

Coordenador do Departamento de Mastologia e Reconstrução Mamária do Hospital de Câncer de Barretos, Gustavo Zucca Matthes explica que, quando se fala em herança genética, trata-se de casos em que os genes, que são as informações dentro do núcleo das células, passam de geração em geração. 

"No caso do câncer de mama, as alterações genéticas consideradas hereditárias acontecem em torno de 5% a 10% das vezes. Estes genes possuem caráter dominante, ou seja, caso herdada a mutação pelo pai ou pela mãe, o filho ou a filha poderá manifestar a doença. A manifestação ou não de uma síndrome genética dependerá da interação com o ambiente em que vive o sujeito", completa Matthes.

"Eu tinha o útero muito aumentado, o que, por si só já era uma questão", especifica Patricia. "Mas eu ainda tinha 42 anos, e não queria me esterilizar e entrar em menopausa tão cedo. Após 15 dias, eu retirei útero, ovário e trompas. Eu estava sendo mutilada novamente. O que sobraria do meu feminino? Só que, como bem respondeu uma amiga médica, o que nos faz mulher são os cromossomos, a personalidade e a alma, e não os órgãos".

Para amenizar tantas perdas, Patricia resolveu mudar o foco e fazer correções no rosto. Adotou uma rotina de exercícios digna de atleta, com duas horas de academia quatro vezes por semana. Entre as atividades preferidas, ela alterna spinning, musculação e esteira. "Decidi pensar no que estava ganhando, e não no que estava perdendo. Fazem apenas três meses e estou ótima, magra, ativa, feliz e com a barriga chapada", comemora.

A empresária considera-se uma mãe "amorosa, amiga e parceira", exatamente o oposto do exemplo que tinha em casa quando era, ela, uma criança. "Eu olho agora que eu reescrevi a história da minha mãe ao reescrever a minha, por ter sido absolutamente alerta. Reescrevi a história dos meus filhos", define.

Às mulheres que receberam o diagnóstico de câncer de mama recentemente, Patricia recomenda, em primeiro lugar, calma. "Entenda que a quimioterapia é, sim, um pesadelo, mas passa", diz. 

"Você vai voltar a ser bonita depois. Talvez até mais, pois realmente vai se olhar e cuidar de outra forma. As cicatrizes serão parte da sua história de luta. Minimize-as o quanto possível, mas tenha orgulho delas. Entenda seu tratamento. As sequelas são dele, não do câncer. Tenha isso na cabeça e força. Tudo vai ficar bem. Eu não deixei o câncer ditar o meu futuro. Eu peguei o câncer, não ele me pegou."

 

Fonte: Estadão de São Paulo

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