Esquecimento, é comum?

O esquecimento é comum. O esquecimento é comum? Ou o esquecimento pode ser comum e não ser? A resposta pode ser acompanhada nesta entrevista do neurologista do HC Márcio Balthazar, pesquisador colaborador do Departamento de Neurologia da Unicamp, ao Portal Unicamp, que, entre uma pesquisa e outra no Laboratório de Neuroimagem, abordou inclusive o esquecimento patológico, um mal desse século, mas que sempre existiu. Para ele, o esquecimento pode ser comum, pela falta de atenção. Já o esquecimento patológico não tem cura, mas pode ser tratado com drogas que retardam os sintomas.

 

Portal Unicamp – O esquecimento é um dos males do século?

Balthazar – Sim. Mas o esquecimento em geral não está, necessariamente, associado à doença cerebral. Em pessoas com idade abaixo de 60 anos, é muito comum queixas de esquecimento, mas que não têm essa ligação. Existem muitas causas de esquecimento em eventos do dia a dia relacionados à ansiedade, que é algo muito prevalente nos dias de hoje. Sintomas psiquiátricos ou psicológicos, como sintomas depressivos, sono insatisfatório, além da ansiedade, podem fazer com que a pessoa diminua a atenção quando executam certas tarefas do dia a dia. Então tendem a esquecer tais eventos. Isso pode não ser doença cerebral.

 

Portal Unicamp – Quais são as doenças cerebrais mais frequentes?

Balthazar – A princípio, para uma avaliação de que tem queixa de memória abaixo dos 60 anos, habitualmente é fundamental fazer uma boa entrevista acerca das características de sua vida diária: presença de sintomas psiquiátricos, bom sono, boa alimentação. Afinal, muitas outras causas podem estar envolvidas, como por exemplo o uso rotineiro de determinadas medicações controladas. São os casos dos benzodiazepínicos e de outras medicações. Alguns psicotrópicos ainda podem diminuir a concentração. Assim, a pessoa menos atenta novamente armazena menos informações e tem maior dificuldade para evocá-las depois. Ha igualmente anemias crônicas, hipotireoidismo, falta de vitamina B12, entre outros fatores, que podem provocar esquecimento. Eles podem surgir com outros problemas gerais, como a apneia do sono. São pessoas que roncam e que, muitas vezes, têm 'microdespertares' à noite sem tomarem consciência disso. Em consequência, passam o dia com sono e com mais dificuldade de concentração. Isso é muito comum atualmente, contudo talvez o mais frequente seja a ansiedade mesmo, isso em geral abaixo dos 60 anos (embora exista doença cerebral em qualquer idade). Acima dos 60-65 anos é de suma importância ficar atento ao esquecimento como um dos primeiros sintomas da doença de Alzheimer, a quem se atribui cerca de 80% das demênciais mundialmente.

 

Portal Unicamp – Mas antes disso?

Balthazar – Quando a pessoa se queixa muito da sua falta de memória, ela não tem esquecimento porque lembra do que esqueceu, enquanto algumas pessoas com doença de Alzheimer não acham que são esquecidas. Esquecem o que esqueceram. Quem vem relatando o que de fato aconteceu é o parente, quem mora junto. Já o muito queixador não tem problema, não pelo menos de origem cerebral.

 

Portal Unicamp – Quais os desafios encontrados pelo médico que lida com essa abordagem sempre?

Balthazar – Para o médico, fica muito difícil separar o que é relacionado ao cerebral e ao que não é. Se a pessoa tem uma queixa consistente de memória, será que isso já é doença cerebral ou serão algumas das causas mencionadas? A primeira parte dessa abordagem então é formar uma boa história a respeito disso e tentar encontrar outras causas possíveis. Se for ansiedade, é preciso tratá-la, assim como se for apneia do sono e outras causas mais. O ideal é ter uma avaliação formal da memória e de outras funções cerebrais. Há ainda a avaliação neuropsicológica. É quando são testadas a atenção, a memória, a linguagem e a capacidade de percepção visual. Dá-se um valor para isso e é comparado o desempenho da pessoa, com base na idade e na escolaridade. Se acreditarmos que a pessoa tem um desempenho objetivo de memória abaixo do esperado, a investigação ainda pode prosseguir, com exames de imagem cerebral e outros.

 

Portal Unicamp – Quais os primeiros indícios do esquecimento?

Balthazar – Algumas características clínicas mais comuns são o fato da pessoa ter dificuldade em se manter atualizada e ser repetitiva. Esquecimento benigno quase todos temos. A frequência com que o esquecimento ocorre é que é preocupante. Se o esquecimento começa a ser consistente e diário, são sinais de alerta para uma possível doença cerebral. Todavia, algumas características também envolvendo dificuldade de orientação no tempo, sobretudo confundir "mês e ano", indica a chance de serem mais relacionados à doença cerebral do que confundir o "dia", por exemplo, sobretudo quando se pergunta de supetão. Pode ser que alguém realmente não se lembre. Contudo, repetitividade é uma das coisas principais para a evolução da patologia.

 

Portal Unicamp – E, quanto ao uso do computador e das novas tecnologias, eles exigem menos das pessoas para memorizar?

Balthazar – Eu pessoalmente penso que não. Vejo mais como um auxílio, até porque, para saber lidar com o computador – ligá-lo, saber usar o teclado, o que fazer em cada etapa -, é preciso compreender funções cognitivas complexas. Essa questão talvez se refira mais ao fato de usar a tecnologia como muleta, como um caderninho de anotações. Temos tantas coisas para fazer ao mesmo tempo que eu acho que essas inovações tecnológicas só vêm a contribuir.É claro que com a devida parcimônia.

 

Portal Unicamp  No atendimento que se presta no HC, por outro lado, vocês se deparam com aquela pessoa que tem 'memória de elefante'?

Balthazar – Esses casos não acabam chegando no médico muitas vezes. Mas existem alguns relatos na literatura falando sobre esse tópico que se chama hipermnésia. Ele é comum em algumas situações, em alguns subtipos de autistas principalmente, como no filme Rain man, em que eles têm uma capacidade mnésica muito grande, específica para algumas coisas em detrimento de outras. Memória visual é uma delas. Para alguns casos, eles têm essa 'memória de elefante' ou hipermnésia. Também há o quadro de pessoas que são acima do normal. É raro. Seria uma memória espetacular para detalhes. Tem gente que vê uma figura com cinco anos de idade e consegue reproduzi-la fielmente aos 15. As causas disso não são muito bem conhecidas, mas nesse caso faz parte de processo patológico.

 

Portal Unicamp – Há como prevenir a falta de memória?

Balthazar – Pensando em termos da doença cerebral mais prevalente, que é a doença de Alzheimer, tem como diminuir as chances disso vir a acontecer. O segredinho é: tenha UMA VIDA SAUDÁVEL. Na verdade, entendo vida saudável como uma vida mental ativa, uma vida profissional com objetivos, uma vida pessoal também com objetivos e em que haja interesse em se manter atualizado, em que a pessoa tenha boa escolaridade, que tenha boas leituras e tenha desafios constantes. A solidão normalmente prejudica, a priori os idosos. Além da parte mental, já foi demonstrado ainda que atividade física aeróbica reduz risco de desenvolver doença de memória como a doença de Alzheimer. A alimentação também. Mas essa doença ainda não tem cura e tende a progredir, fazendo com que a pessoa perca a sua independência, qualidade que tanto prezamos. Nesse sentido é muito grave.

 

Portal Unicamp – Como ela é tratada atualmente?

Balthazar – Há diversas abordagens. Uma vez feito o diagnóstico, há medicações para doença de Alzheimer. Essa medicação, no entanto, não serve para quem tem queixa de memória e que não desenvolveu a doença. Ela só pode ser usada para a doença em si, mesmo na fase leve.

 

Portal Unicamp – Quais são as classes de medicamentos mais usadas?

Balthazar – A classe mais específica é anticolinesterásica. São três drogas mais empregadas e que são liberadas pela Farmácia de Alto Custo do HC: donepezil, galantamina e rivastigmina. Uma quarta droga, adotada na fase moderada a avançada, que é a memantina.

 

Portal Unicamp – O que essas drogas promovem?

Balthazar – Essas medicações não agem na causa do problema. O que foi mostrado é que grupos de pessoas que usam essas medicações pioram mais lentamente do que grupos que não usam. O uso dessas drogas ajudam a melhorar comportamentos. São indicadas para todas as pessoas, mas alguns pacientes respondem melhor que os outros, trazendo uma certa estabilização do quadro.

 

Portal Unicamp – Como melhorar a memória?

Balthazar – Manter uma vida mentalmente ativa, com relações sociais preservadas, com interesses mantidos. Todavia, é preciso saber dosar isso. Agora, realizar muitas atividades ao mesmo tempo acaba prejudicando.

 

Portal Unicamp – Tem algum exercício que ajuda a ativar a memória?

Balthazar – Não gosto de indicar que as pessoas façam exercícios que nada tenham a ver com a prática dos nossos pacientes, como muitos orientam. Prefiro falar para os pacientes manterem as atividades da vida real. Ou seja, para idosos, que a família prefere que não façam mais nada e fiquem em casa, eu aconselho continuar com algumas atividades. Esse idoso deve ir com o familiar ao mercado, fazer comida, deixar escolher os produtos do mercado, deixar ver o quanto custam, decidir pelo preço, conhecer sobre a vida financeira da família e saber o quanto têm no banco. É necessário ter uma postura crítica para coisas que são relevantes no mundo real.

 

Portal Unicamp – Memória não quer dizer inteligência, não é?

Balthazar – A pessoa pode se manter lúcida e com capacidade de julgar muita coisa, porém amnésica (esquecida). Isso não tem a ver com inteligência necessariamente. Pode ser uma pessoa brilhante, mas que começa a apresentar uma doença do esquecimento, mesmo se mantendo brilhante e lúcida por muito tempo, com a linguagem preservada por muito tempo e a capacidade espacial preservada por muito tempo. Entretanto, prosseguem tendo esquecimento.

 

Portal Unicamp – O que pretende avaliar ainda?

Balthazar – Agora realizaremos uma nova investigação que pretende acompanhar pacientes no HC ao longo de dois anos com avaliações semestrais, de preferência de pessoas que tenham problema objetivo de memória. Estão sendo selecionadas pessoas com idade acima de 50 anos. Elas serão seguidas com uma série de exames novos, que são os biomarcadores: ressonância magnética com seis tipos de análise, avaliação neuropsicológica (testes de memória, linguagem e orientação), exame de líquor (em que se dosa proteína específica da doença de Alzheimer) e sangue que será guardado para fazer a parte genética, testando, no futuro, quatro genes. Os interessados em participar da pesquisa devem enviar um e-mail para o neurologista Balthazar.

 

Portal Unicamp – Para encerrar, o esquecimento é benéfico?

Balthazar – Tem um poema do Bertolt Brecht intitulado "Elogio do esquecimento" (leia a seguir). A ideia que passa é que esquecer faz parte também. Se não esquecemos algumas coisas, a gente não cresce também. 

 

Fonte: Unicamp

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